Um texto de Luis Fernando Veríssimo sobre a barba...
Um homem fazendo a barba na frente do espelho está num momento crucial da sua existência. É um momento que se repete todas as manhãs, tão banal que ele mesmo não se dá conta do seu significado maior. Mas todas as manhãs o homem se depara com uma escolha que pode mudar a sua vida. Deixo ou não deixo crescer a barba?
A barba quer existir. Todos os dias ela tenta. Todos os dias aparecem as pontas dos fios que, se o homem deixar, crescerão, ocuparão o seu rosto e mudarão o seu visual e possivelmente a sua personalidade e o seu destino. E tudo depende da crucial escolha de todas as manhãs: rapar ou não rapar? Escanhoar-se ou não escanhoar-se? Ser ou não ser um homem com barba? E com que tipo de barba?
A escolha do homem pode ser apenas experimentar. Ele pensa: Não faço a barba por alguns dias, vejo como ela cresce e como é que fica, depois decido que tipo de barba eu quero. Posso deixá-la crescer desimpedida, sem retoques, ou posso guiá-la, aparando aqui, desbastando ali, como um artista redesenhando o próprio rosto. É óbvio que Deus e a Natureza querem que eu tenha uma barba, senão ela não insistiria tanto em crescer, mas a decisão de como ela vai ser - que tamanho (Robinson Crusoé ou Lula?), que estilo (renascentista, intelectual desleixado, etc.) - depende unicamente de mim. A genética, a biologia, o meio ambiente e o saldo bancário determinam o que eu sou, mas da decoração do meu rosto cuido eu.
É comum você encontrar barbas tão estranhas que deixam a dúvida: como será que o seu portador se imagina para ter uma barba assim? Que possível autoimagem ou critério estético tem um homem cuja barba se resume num tufo abaixo do lábio inferior? Ou num bigode fino que desce pelos lados da boca em tiras que se reencontram na ponta do queixo? Você pode aceitar uma barba tipo Dom Pedro II como apenas uma homenagem patriótica, mas aquele seu pacato amigo que um dia aparece com o bigode do chanceler Von Bismarck certamente decidiu mostrar ao mundo que não é nada do que parecia ser, escanhoado. Ou era mas não é mais.
Alguns bigodes hoje são inconcebíveis. Depois de Hitler, ninguém mais quis ter o bigode do Carlitos. E se você decidiu ter o bigode do Nietzsche para dar uma ideia de vigor físico e mental, saiba que o projecto levará muitos anos. Quando o bigode finalmente atingir a dimensão desejada para impressionar, estará totalmente branco, e a única impressão que você dará será a de um bom velhinho, em vez de um leão da filosofia. Um bigode como o do Nietzsche precisa ser começado na infância.
Você está na frente do espelho. Uma manhã como qualquer outra. Aparelho de barbear ou barbeador eléctrico na mão. E de repente você decide: Vou mudar de cara. Está implícito na sua decisão que você quer ser outro, com outra vida, mas por enquanto só o que você pensa é: Já que a barba insiste tanto em crescer, que cresça. Que apareça. Dou permissão. Depois escolherei a cara que quero ter. Mas no seu subconsciente você já está escolhendo. Um cavanhaque. Sim, um cavanhaque. Talvez um bigode com as pontas reviradas. Ou então... Sim, Mefistófeles. É isso. Uma barba indisfarçavelmente demoníaca. Vamos ver que vida vem junto.
- Querido, você não fez a barba hoje?
- Não. Decidi dar uma folga.
- Fica um aspecto tão sujo...
Você sorri. Ela não sabe o que a espera.
sexta-feira, janeiro 22, 2010
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3 comentários:
Sabes o que vem junto? A porta da rua!
Ahahah, assim?? A barba faz tanta confusão a uma mulher?:D
Beijo
Pára! Barba é tudo de bom. Só uma mulher que nunca pode sentir a deliciosa sensação de uma barbinha arranhando o pescoço, que prefere desbarbados. Eu sou do grupo de mulheres que se definem como Barbudetes, por isso eu clamo: FAÇA AMOR, NÃO FAÇA A BARBA!!!!
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