quarta-feira, dezembro 31, 2008
quarta-feira, dezembro 24, 2008
sábado, dezembro 20, 2008
Nos meus blogs já expressei a minha admiração pelo cronista José Manuel dos Santos! Na crónica de Sábado passado, ele falou do Porto. Não sou portuense de gema mas vivi lá e sempre tive um fraquinho por esta cidade. E não me podia identificar mais com esta crónica de um forasteiro...
Mais do que a de outras terras, a gente do Porto sabe fazer das fraquezas forças. Por isso, muitas vezes fala no tom dos que não perdem tempo com o que não lhes dá meios para vencer o infortúnio. Há nesse acento áspero uma franqueza parecida com uma altivez natural - a que se exerce sobre o mundo e não sobre os outros. Agustina e Manoel de Oliveira ("longos dias têm cem anos!") chegaram, por caminhos diferentes, ao centro desta filosofia de vida (também é uma psicologia e uma sociologia) que não dispensa a contradição e a ameaça que faz a si mesma.
Eu gosto do Porto. Gosto daquela luz usada e manchada de alvoroço. Gosto da cor de sombra do seu passado. Gosto daquela arquitectura rugosa e solene como a das montanhas. Gosto da visão fantástica do rio e da sua transfiguração quando chega à cidade. Gosto daquela comida que nos persegue como um vaticínio ou um remorso. Ir ao Aleixo e ler sobre a cozinha a palavra "laboratório", enquanto comemos os filetes de polvo com arroz do mesmo, ou a vitela assada com batatas alouradas, é uma iniciação que nunca se trai nem nos trai.
Se vou a Santa Catarina, fico horas entre o Café Majestic, a Confeitaria Cunha (onde à noite há cozido à portuguesa e tripas), as livrarias e as lojas de coisas antigas. Estar no Majestic, com um livro acabado de comprar na mão, e, enquanto o folheamos lentamente, tomar um chá com scones, é concordar com Borges quando diz que a felicidade está ao nosso alcance mais facilmente do que imaginamos.
Porque sabe fazer das fraquezas forças, a gente mais pobre do Porto tem em Lazarilho de Tormes, mesmo sem o conhecer, um modelo. Esse herói pícaro, de cujo livro nunca me despeço, possui um engenho que foi aguçado incessantemente, tornando-se uma arte de viver. No Porto, até os loucos são "performers" - veementes, exibicionistas e proféticos. Um deles costuma permanecer na rua cheia de gente que passa, a comentar as notícias do dia. Cheio de alarmes e presságios, chega, escatologicamente, a anunciar o fim do mundo. Certa vez, uma notícia desse dia anunciava que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros tinha sido severo com o Irão, reprovando a sua inclinação para enriquecer urânio. O louco gritava a notícia e exclamava em grandes brados: "Metam-se com os iranianos, metam-se! Portugal é pequeno e eles ainda mandam meio país prò caralho!" Das senhoras que passavam - e havia-as distintíssimas a passar -, nenhuma se escandalizou com estas palavras roucas e a sua energia apocalíptica. Pelo contrário: ouviam-nas como um conselho sábio, uma advertência leal, um aviso sensato - e sorriam. Espero que as minhas leitoras (e também os meus leitores) sejam como as ilustres senhoras do Porto - e mostrem indulgência e riso perante palavras que nenhuma inocência está hoje autorizada a desconhecer.
Estive recentemente no Porto e voltei a Santa Catarina. Entrei na Igreja das Almas para ver os azulejos, as imagens e as velas que, rápidas, ardem como os dias do poema de Cavafis. Fui às lojas comprar aquilo que não me faz falta, senão no momento de o comprar. Depois, como estava um sol que fica em nós como uma carícia, passeei na rua a minha alegria infalível.
A dada altura, olhei um mendigo cego que pedia esmola com um cartaz pendurado ao peito, onde li, escrita em letras concebidas pelo designer mais competentemente contemporâneo, esta afirmação inesperada: "A CEGUEIRA NÃO MATA, MAS DIFICULTA". Só um cego do Porto teria a audácia bastante para, desprezando o sentimentalismo persuasivo ou o lirismo mendicante, criar esta frase exacta, prática e eficaz, quase tecnocrática, prevendo os bons resultados financeiros que ela produz, mesmo em tempo de crise. Confesso que também eu não lhe resisti. Aproximei-me do cego e, como Álvaro de Campos, "num gesto largo, transbordante, dei-lhe todo o dinheiro que tinha, excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro". Foi a minha maneira de dizer que admirava o engenho com que ele vence o infortúnio.
Mais tarde, quando os meus olhos se emocionavam ao contemplar um prato magnífico de rojões com morcela, pensei comigo que aquela frase transporta uma verdade mais geral do que parece. Aplica-se igualmente à estupidez, que, diz-se, é uma cegueira do espírito: também ela não mata, mas dificulta. (in Expresso)
Mais do que a de outras terras, a gente do Porto sabe fazer das fraquezas forças. Por isso, muitas vezes fala no tom dos que não perdem tempo com o que não lhes dá meios para vencer o infortúnio. Há nesse acento áspero uma franqueza parecida com uma altivez natural - a que se exerce sobre o mundo e não sobre os outros. Agustina e Manoel de Oliveira ("longos dias têm cem anos!") chegaram, por caminhos diferentes, ao centro desta filosofia de vida (também é uma psicologia e uma sociologia) que não dispensa a contradição e a ameaça que faz a si mesma.
Eu gosto do Porto. Gosto daquela luz usada e manchada de alvoroço. Gosto da cor de sombra do seu passado. Gosto daquela arquitectura rugosa e solene como a das montanhas. Gosto da visão fantástica do rio e da sua transfiguração quando chega à cidade. Gosto daquela comida que nos persegue como um vaticínio ou um remorso. Ir ao Aleixo e ler sobre a cozinha a palavra "laboratório", enquanto comemos os filetes de polvo com arroz do mesmo, ou a vitela assada com batatas alouradas, é uma iniciação que nunca se trai nem nos trai.
Se vou a Santa Catarina, fico horas entre o Café Majestic, a Confeitaria Cunha (onde à noite há cozido à portuguesa e tripas), as livrarias e as lojas de coisas antigas. Estar no Majestic, com um livro acabado de comprar na mão, e, enquanto o folheamos lentamente, tomar um chá com scones, é concordar com Borges quando diz que a felicidade está ao nosso alcance mais facilmente do que imaginamos.
Porque sabe fazer das fraquezas forças, a gente mais pobre do Porto tem em Lazarilho de Tormes, mesmo sem o conhecer, um modelo. Esse herói pícaro, de cujo livro nunca me despeço, possui um engenho que foi aguçado incessantemente, tornando-se uma arte de viver. No Porto, até os loucos são "performers" - veementes, exibicionistas e proféticos. Um deles costuma permanecer na rua cheia de gente que passa, a comentar as notícias do dia. Cheio de alarmes e presságios, chega, escatologicamente, a anunciar o fim do mundo. Certa vez, uma notícia desse dia anunciava que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros tinha sido severo com o Irão, reprovando a sua inclinação para enriquecer urânio. O louco gritava a notícia e exclamava em grandes brados: "Metam-se com os iranianos, metam-se! Portugal é pequeno e eles ainda mandam meio país prò caralho!" Das senhoras que passavam - e havia-as distintíssimas a passar -, nenhuma se escandalizou com estas palavras roucas e a sua energia apocalíptica. Pelo contrário: ouviam-nas como um conselho sábio, uma advertência leal, um aviso sensato - e sorriam. Espero que as minhas leitoras (e também os meus leitores) sejam como as ilustres senhoras do Porto - e mostrem indulgência e riso perante palavras que nenhuma inocência está hoje autorizada a desconhecer.
Estive recentemente no Porto e voltei a Santa Catarina. Entrei na Igreja das Almas para ver os azulejos, as imagens e as velas que, rápidas, ardem como os dias do poema de Cavafis. Fui às lojas comprar aquilo que não me faz falta, senão no momento de o comprar. Depois, como estava um sol que fica em nós como uma carícia, passeei na rua a minha alegria infalível.
A dada altura, olhei um mendigo cego que pedia esmola com um cartaz pendurado ao peito, onde li, escrita em letras concebidas pelo designer mais competentemente contemporâneo, esta afirmação inesperada: "A CEGUEIRA NÃO MATA, MAS DIFICULTA". Só um cego do Porto teria a audácia bastante para, desprezando o sentimentalismo persuasivo ou o lirismo mendicante, criar esta frase exacta, prática e eficaz, quase tecnocrática, prevendo os bons resultados financeiros que ela produz, mesmo em tempo de crise. Confesso que também eu não lhe resisti. Aproximei-me do cego e, como Álvaro de Campos, "num gesto largo, transbordante, dei-lhe todo o dinheiro que tinha, excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro". Foi a minha maneira de dizer que admirava o engenho com que ele vence o infortúnio.
Mais tarde, quando os meus olhos se emocionavam ao contemplar um prato magnífico de rojões com morcela, pensei comigo que aquela frase transporta uma verdade mais geral do que parece. Aplica-se igualmente à estupidez, que, diz-se, é uma cegueira do espírito: também ela não mata, mas dificulta. (in Expresso)
quarta-feira, dezembro 17, 2008
segunda-feira, dezembro 15, 2008
Disseram-me que a minha cor é cinza, e que as pessoas que são cinza são:
É uma pessoa atraente e muito activa. Nunca esconde os sentimentos e exterioza tudo o que vai dentro de si. Mas às vezes é egoista. Quer dar nas vistas e não gosta de ser tratada com desigualdade. Consegue melhorar os dias dos outros, pois sabe bem o que dizer na altura certa e tem bom sentido de humor.
Olha, gostei...
É uma pessoa atraente e muito activa. Nunca esconde os sentimentos e exterioza tudo o que vai dentro de si. Mas às vezes é egoista. Quer dar nas vistas e não gosta de ser tratada com desigualdade. Consegue melhorar os dias dos outros, pois sabe bem o que dizer na altura certa e tem bom sentido de humor.
Olha, gostei...
terça-feira, dezembro 09, 2008
segunda-feira, dezembro 08, 2008
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